terça-feira, 5 de novembro de 2013

carta

Ela escreveu uma carta que nunca seria entregue, nem lida por mais ninguém; apenas a guardaria num envelope velho, o qual estaria ainda mais velho quando fosse aberto pela primeira vez. Era uma carta composta de perguntas que jamais seriam respondidas.
"Para onde foi a sua certeza?
Onde começaram os erros?
Quando começou a desmoronar?
Qual o motivo da sua tranquilidade?
E o seu medo?
E a sua saudade?
Também te parece errado desistir?
Como encontrou tanto chão?
Donde surgiu tanta despreocupação?
Que fim levou todo o seu amor?"
E aquela madrugada durou até que ela escrevesse todas as dúvidas que a sufocava. Todas as perguntas que, se direcionadas a ela, nem mesmo a própria saberia responder.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

desencanto

A tênue linha entre a raiva e a obsessão, o ódio e o amor. Frequentemente, desligo-me de todo seu drama, de todos os seus nós, da sua bagunça. Me vejo longe de teus teatros mirabolantes e dos seus choros vazios, os prantos falsos, suas incógnitas inexistentes.
Entretanto, não tenho o autocontrole que gostaria de ter. A cada contato noto seu efeito, basta injetar a doce dose de nostalgia... e logo sinto o doce veneno dando voltas e mais voltas no meu cérebro.
É como uma bailarina esperando para girar na caixa de música. Minha remição está na quieta racionalidade - e esta, muitas vezes infalível, me lembra que tudo já não faz parte do presente há tempos.
Já te deixei ir há muito; essas são só as pequenas sequelas de um processo longo, demorado e gradativo. Enfim, há de vir a hora em que tudo se esvai de maneira irreversível. Até lá, espero a próxima amarga pontada nostálgica... E, enquanto isso, tu mantém me rendendo textos.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

desventuras

Todos com a mesma cara de nojo, fome, enjoo, tédio, raiva, mágoa. Faces cinzas que se passam por contentes - mero blasé, mera melancolia, mera falta de sentido. Uma vida sem graça, um niilismo eterno, uma vontade de preencher o vazio com a merda que melhor o servir. Opinião alheia? Sim. Atitudes oportunistas? Sim. Inventar algo que não é? Sim. Criar um personagem caracterizado por seu enfado? Claro. Acreditar na ilusão de que se é tão diferente dos demais? Também. São todos iguais; cada um com a mesma mísera dose de graça. O veneno escorre do canto dos lábios, a risada falsa ecoa na cabeça de todos que compram a mentira e a irritação e desprezo é tão grande que o infortúnio cativa.
Eu não sou diferente. Mas pelo menos sei disso.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

um drama

"You'll "never know half of it"
Tão amável. Boa palavra - é a sua cara. Amável no sentido inventado - como numa possibilidade de amá-la; em uma escala de suas pequenas manias até seus dramas. É o jeito que ela fala; seus detalhes; os detalhes que ela percebe. A "guria" é quase uma pequena fruta; como uma amora. Ela é tão ela e só. Há de compará-la com o preto: existem vários tons de amarelo, azul, verde... Mas preto é preto e só.
Lola é Lola e só.
As paranoias, as mentiras, as músicas, as histórias. A memória de um cigarro sendo apagado na areia da praia enquanto pende uma troca de mensagens. Uma amizade morna e repleta de tradições; discussões teatrais; indiferenças compatíveis; um passado tão perto e tão longe.
Alguém tão ninguém porém tão vivo. Há algo de platônico, há raiva, há covardia. Tão odiável. Tão incorpóreo. Tão nada... o vazio que sua ausência provoca não faz sentido, mas existe. 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

cartola

"Colour my life with the chaos of trouble"
Chove nesse frio. Ontem ventou na praia, meus cabelos voaram e o sol aqueceu minha pele. Agora meus dedos gelam, mesmo dentro de casa. O barulho da água caindo me inspira. A noite é uma criança que cresce rápido... E eu danço no tempo cada vez que checo o horário. A música baixa domina meu quarto; é um aconchego só. Livros, filmes, páginas, cenários, personagens, diálogos. Isso gera uma agitação em mim. Acabo sempre por olhar para o céu e sentir um nó na garganta; uma vontade de explorar. Eu sou tão pequena, tão fadada a não conhecer cada canto de história. Os livros, os filmes, as músicas... tantas ilusões: não posso me dar ao luxo de largar tudo e embarcar em uma viagem aleatória. Bancar a andarilha. Eis uma vontade condenada! Mas ah, só de respirar um ar paralelo, uma loucura inventada... Isso já me dá energia suficiente para continuar a sonhar no meu interior. Meu perdido interior. Um vasto interior que explode tamanho desejo de se tornar concreto.
Mas não. É fantasia. A chuva continua caindo - e eu continuo uma formiga contraditória nesse mundo gigantesco, ofuscada por tanta beleza, por tanto caos.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

encaixe, peça, chave

- Quero que você sorria pra mim.
Pediu, beirando suplicar, encarando-a nos olhos. De braços, pernas e corpos entrelaçados, estavam os corpos nus, deitados, apertando-se no sofá estreito. Ela sorriu - e o sorriso causou uma explosão.
Explosão de amor.
Explosão de paixão.
Explosão de vontade.
Explosão de vida.
Explosão de lágrimas.
Explosão de medo de perder.
Explosão de completude.
Foi assim. Eram dois corpos nus, deitados, apertando-se no sofá estreito; mas também eram duas peças, perfeitamente encaixadas, em harmonia e excelentemente posicionadas.

sábado, 20 de abril de 2013

Lua só, só lua

A lua é uma mulher sofrida, melancólica, sozinha. A lua é uma mulher - não garota, mas mulher - frustrada. Sonha com o impossível e, enquanto se tortura com a realidade, assiste a felicidade de cada um noite abaixo.
Dói nela, judia um bocado... Mas ela brilha. Grita luz para todos os lados que refletem os raios do seu amor platônico. Conforme os séculos passam, a lua se encontra cada vez mais independente.
Ela chora estrelas ao passo que seu lado negro absorve e guarda toda a mágoa de uma eternidade atroz, dolorosa e injusta.
Dona da noite, nunca verá seu amor passar.

domingo, 31 de março de 2013

margaridas


Decidi que vou viver de amor,
livros,
chá
e bolo de fubá.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

tempus fugit

"Sed fugit interea fugit irreparabile tempus"
Publius Vergilius
Cada segundo que passa, cresço um pouco. Morro um pouco. É uma contagem regressiva da qual fujo...
Até certo ponto onde o tempo me questiona. Me tira do sério. Me exige escolhas. O futuro chegou e parece ilusão. Sempre ouvi tanto desse momento. Do amadurecimento, da fase das decisões, do medo, das crises existenciais.
Aqui estou pedindo para que ele aguarde pacificamente. Pedindo de forma encarecida para que o relógio cesse as rotações por um certo período; pedindo que os ponteiros congelem para que eu possa então voltar a apelar para minha fuga irresponsável de criança despreparada.
Sinto muito, vida corrida... Talvez eu não tenha nascido para crescer tão rápido.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

memória de açúcar

Há tanta cabeça crédula de cada coisa que pensa, sente ou fala. Enquanto isso, tenho poucas certezas na vida. No entanto, ainda que incerta de muitos dos meus próprios pensamentos, sentimentos e palavras, há pequenas verdades absolutas. Uma delas é que existem pessoas pontuais em nossas vidas que, independente de nossa vontade, nós não esquecemos.
Não esquecemos, mas morremos de medo que, com o passar dos anos, esqueçamos os detalhes que tanto nos agradam. Um sorriso, um cheiro, uma voz, um sotaque, uma conversa, um toque, uma mania. A memória engana e, como todo sonho bom, a gente passa a duvidar da existência de algumas delas.
Pois bem, que então o propósito desse texto seja posto em prática: que duvide do detalhe, mas que se recorde da sua profundidade e significado sempre que ler o quanto os adorava.
Quanto ao rosto dessas certas pessoas, digo por mim mesma - e falo com toda a certeza que eu poderia apostar em palavras tão singelas com as seguintes: o dela, não esqueço.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

sonho de varanda


Era sempre ela quem traçava os planos. Ele, por sua vez, nunca os desmanchava - não por medo de desagradá-la. A garota não era autoritária, o rapaz aceitava todas as suas propostas justamente pelo fato de ser apaixonado pela fome de vida que ela tinha - e tudo que ele queria era saciá-la, mesmo sabendo que sua constante vontade de viver nunca cessaria.
Estavam numa estrada, dirigindo em direção do litoral, mas sem saber precisamente em que praia ficariam.
- Se realmente casarmos, moraremos numa casa - ela falou.
Ele sorriu, apoiando o braço na janela aberta enquanto a outra mão segurava firmemente o volante.
- Como seria a casa?
- Poderia ser uma bem simples, com um quarto ou dois - respondeu ao passo que abria a janela do carro para brincar com o vento, usando a ponta dos dedos - Eu só faria questão de uma varanda.
- Uma varanda? - perguntou, sorrindo.
- É, uma varanda - ela sorria e apoiava os pés em cima do porta luvas, encolhida no banco do passageiro - Pra poder passar as noites de sábado lá, lendo, conversando e fumando... Até que o sol resolvesse nascer. Então esperaríamos que os raios nos aquecessem, tomaríamos café da manhã e só então iríamos pra cama.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

avião no ar

Como estavas linda!
Como estavas quente!
Mas juro que ouvi
Por entredente
Mais suspiro do que gente:
"Te amo!"
Apavorado,
Medroso,
No fundo contente

Não tenhas medo;
Levo-te
Não sofras por antecedência
Não antecedas o impresumível
Pois não nego-te
E não negarei

Não derrame a mim tuas lágrimas
Não dê o recibo de teus suspiros
Pois quero arrancar-lhe ainda
Muitos e muito sorrisos


por Julia Medeiros