sexta-feira, 29 de junho de 2012

porém dos poréns

"Keep imagining meeting, wished away entire lifetimes
Unfair we're not somewhere
Misbehaving for days, great escape
Lost track of time and space
She's a silver lining, climbing on my desire"
Arctic Monkeys

O sol se tornaria lua e o céu, com sol a pino, se converteria num mar de estrelas. Não teria raio de luz que aquecesse a pele, só um luar acompanhado de um sereno gelado. Não teria crianças andando de bicicleta na calçada, mas jovens sentados em roda com garrafas meio cheias, meio vazias e maços de cigarro meio cheios, meio vazios. Não haveria muito movimento - no máximo um casal de mãos dadas, rindo distraidamente. Decerto, sem crepúsculo, o céu arrosado já teria se transformado num azul marinho que, em algum ponto crucial da noite, voltaria a amanhecer.
No entanto, na utópica ocasião do dia nunca mais voltar a nascer, eu apostaria e pagaria para ver. Com esse porém, sim, daríamos certo.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

ebulição não; condensação

Passou o batom. Admirou a boca que beirava ao escarlate e forçou um sorriso. Sentiu uma breve sensação morna por dentro, parecia amolecer gradativamente. Engoliu a carência e apertou os lábios, acabando por suspirar. Saiu de casa - e sabia que, independente do esforço que fizessem, não conseguiriam desviar os olhos dos lábios dela se a olhassem, nem que distraidamente. Por fora, um ar independente repleto por indiferença a potencializava perante as outras jovens. Internamente, ignorava a solidão e a substituía pela fumaça que inalava do cigarro que acabara de acender. Borrou o filtro do mesmo de vermelho. Queria alguém para encorajá-la a derreter, mas era um fato social que deixaria a desejar. Não só acanhada como contida pelo estúpido medo da sua falta de comprometimento com os outros e pelo receio de não encontrar quem a conseguisse impulsionar, revirou os olhos. Na dúvida de se alguém havia reparado em seu gesto típico, olhou em volta. Nada. Sempre nada. 
O vazio do nada.
Só o pobre, miserável. Apenas ele, o detestável. O nada.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

encontro marcado

Ele não era nem de longe o mais bonito, enquanto ela era o sonho de qualquer um. Ele era estranho, usava óculos, magricelo, cabelos ruivos desgrenhados e pele branca, sempre aparentando palidez. Ela, por sua vez, era parâmetro de beleza para as garotas mais novas.
A história era que ele era o sonho da jovem. E por mais que essa fosse a condição, ele não dava lá muita importância. Não tanta quanto maioria dos meninos dariam.
- Chamei algumas pessoas para passar a noite em casa hoje. Se você quiser ir... - ela convidou, sutilmente.
- Acho que vou ficar em casa mesmo - ele respondeu, calmamente.
Ela o olhou, séria, esperando que ele mudasse de ideia ou algo do gênero. Roía as unhas.
- Não sou de fazer média ou ir à lugares muito cheios, se me entende - ele explicou.
- Entendo, não é fã de companhia - ela disse, agora olhando para as unhas, desapontada.
Ele então passou a andar, após fazer um gesto distraído e sorrir para a garota.
- Sabe - ela disse, fazendo-o olhar para trás em seguida - Se quiser ir tomar um café ou coisa parecida, não sei - concluiu, timidamente.
- Aprecio seus convites, de verdade - ele falou, dando meia volta e parando na frente dela - Mas não pode discordar que acabaríamos sem assunto. Pode ser constrangedor. Sei que não está acostumada com essas situações e está sempre rodeada de pessoas falando sem parar, mas eu não sou a companhia que você quer que eu seja.
- Vinicius, não estou esperando nada de você, ao contrário de ti, que está me vendo como um mero rostinho bonitinho, uma loira burra ou qualquer outra bosta que o valha - insistiu, alterando a voz - Não se feche tanto, eu posso te surpreender - ela avisou, continuando em seguida com um sorriso estampado - Podemos não conversar também, sei que gosta de café. E tem uma cafeteria excelente aqui perto.
Ele levou alguns segundos, mas retribuiu o sorriso.
- Certo. Você quem sabe. Quer ir agora ou mais tarde?
- Estou de uniforme. Gostaria de ir pra casa antes, mas hoje não vai dar tempo. Que tal amanhã? - sugeriu.
- A gente se fala, combinado? - ele disse, olhando para o relógio e ajeitando os óculos em seguida, que havia se deslocado com o movimento anterior.
Trocaram seus números de celular e Vinicius retornou a caminhar em direção a sua casa. Ela, por sua vez, sorria como boba. Adorava a ideia de ter a chance de sair com alguém que estaria interessado em muitas outras coisas antes de levar em consideração as voluptuosas curvas de seu corpo. Além do fato de que teria de se esforçar para conhecê-lo, desfechá-lo, ou ao menos tentar ambas as possibilidades. Se perguntava se seria um encontro enquanto passou a andar animada na direção de sua casa, eis uma mensagem lhe informando endereço e horário de onde se encontrariam no dia seguinte. Sorriu.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

miúdos

Os pingos eram finos, quase inexistentes, mas os dois estavam sem casaco e por isso sentiam um por um tocando-lhes a pele. Arrepiados, eles caminhavam a passos apertados na rua asfaltada e deserta. Ele sentia mais frio que ela,  mas mesmo assim disse:
- Se eu tivesse um casaco, lhe ofereceria.
Ela retribuiu com um sorriso, mas foi só, e continuou andando. Olhava para ele de vez em quando.
- No que está pensando? - ele perguntou.
- Que a chuva poderia parar - ela respondeu, honesta e rapidamente.
- Não gosta da chuva?
- Você gosta?
Mais uma vez, os dois se perguntaram questões cuja resposta era desconhecida - nenhum deles se dava ao luxo de responder. Como de costume. Ele tirou um cigarro do maço e olhou para ela, entristecido:
- É o último. Podemos dividir.
- Não se encomode, odeio fumar na chuva - ela respondeu, agora parando na frente de uma cafeteria cuja varanda era coberta - Vamos ficar aqui até a chuva diminuir, certo?
- Quer entrar? - ele disse, logo após acender o cigarro, parando para olhar os casais do lado de dentro, comendo pãezinhos, bebericando seus respectivos cafés - Estou com fome.
- Você nunca sente fome, só está com vontade de me pagar um café por pura educação - ela disse, séria, mas percebeu que estava sendo rude e forçou um sorriso depois de alguns segundos - Estamos com pressa, querido, não precisamos entrar. Basta me dar um trago do cigarro e vamos andando.
- Eu estou com fome, venha - ele disse, lhe passando o cigarro e entrando no café logo em seguida, deixando-a sem outra alternativa senão acompanhá-lo.
Ela entrou, sentou-se no balcão ao seu lado, fitando o cigarro e batendo o pé no chão.
- Porque tanta pressa? Você nem queria ir a esse festival... - ele disse, pegando o cardápio.
- Mas já que vamos... - ela disse, chamando o garçom - Dois expressos, por favor, e rápido, se não for pedir demais - o garçom fez sinal de sim com a cabeça e saiu sem dizer nada.
- Vou ao banheiro - disse ele, com impaciência ao se levantar. Depois de entrar no toalete, se olhou no espelho, ajeitou os óculos, a camiseta e o cabelo molhado. Pensou consigo mesmo se tocava no delicado assunto que os fizera brigar dias antes, e ao decidir fazê-lo, respirou fundo.
Deu meia volta e, ao avistar o balcão, o encontrou vazio. O cigarro queimava e o garçom deixava os dois cafés aonde eles estavam sentados minutos atrás, mas nenhum sinal dela - fora a porta de saída, que acabara de se fechar.

aceleração

Falar que a vida é curta demais é pretexto, acredito. Ninguém que tenha senso terá coragem de me pedir para esperar. Ser impulsivo ou não já é questão de opinião. Opinião não, experiência. Esperar o que se sentir a satisfação corroer é a melhor das dores? Dor passageira - por isso, só por isso, ás vezes dói. De resto faço, inconsequente, cega pelo credo do destino cuja fé domina-me. Prossigo, onipotente.