quarta-feira, 26 de março de 2014

ao natural

Quando a gente se apaixonou, há um ano e meio atrás, eu te descrevi como um pássaro. Falei que você voava livre e solta pelo céu e que eu tinha dado sorte de você ter gostado do meu jardim e ter me escolhido pra te cuidar. Se hoje já não é mais assim, eu nunca tentaria te prender numa gaiola. Não faria bem pra mim tentar mudar sua essência, nem assistir o pássaro colorido e cativante por quem me apaixonei se transformar numa criatura engaiolada. Eu vou te soltar no mundo, livre pra ir embora, se jogar na imensidão azul e ser feliz à sua maneira. Talvez, um dia, você volte, venha me visitar - seguindo a naturalidade da sua natureza. Há também muitos pássaros, muito céu pra eu olhar. Também quero me entregar a esse mar de ventos que me faz querer voar.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

carta

Ela escreveu uma carta que nunca seria entregue, nem lida por mais ninguém; apenas a guardaria num envelope velho, o qual estaria ainda mais velho quando fosse aberto pela primeira vez. Era uma carta composta de perguntas que jamais seriam respondidas.
"Para onde foi a sua certeza?
Onde começaram os erros?
Quando começou a desmoronar?
Qual o motivo da sua tranquilidade?
E o seu medo?
E a sua saudade?
Também te parece errado desistir?
Como encontrou tanto chão?
Donde surgiu tanta despreocupação?
Que fim levou todo o seu amor?"
E aquela madrugada durou até que ela escrevesse todas as dúvidas que a sufocava. Todas as perguntas que, se direcionadas a ela, nem mesmo a própria saberia responder.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

desencanto

A tênue linha entre a raiva e a obsessão, o ódio e o amor. Frequentemente, desligo-me de todo seu drama, de todos os seus nós, da sua bagunça. Me vejo longe de teus teatros mirabolantes e dos seus choros vazios, os prantos falsos, suas incógnitas inexistentes.
Entretanto, não tenho o autocontrole que gostaria de ter. A cada contato noto seu efeito, basta injetar a doce dose de nostalgia... e logo sinto o doce veneno dando voltas e mais voltas no meu cérebro.
É como uma bailarina esperando para girar na caixa de música. Minha remição está na quieta racionalidade - e esta, muitas vezes infalível, me lembra que tudo já não faz parte do presente há tempos.
Já te deixei ir há muito; essas são só as pequenas sequelas de um processo longo, demorado e gradativo. Enfim, há de vir a hora em que tudo se esvai de maneira irreversível. Até lá, espero a próxima amarga pontada nostálgica... E, enquanto isso, tu mantém me rendendo textos.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

desventuras

Todos com a mesma cara de nojo, fome, enjoo, tédio, raiva, mágoa. Faces cinzas que se passam por contentes - mero blasé, mera melancolia, mera falta de sentido. Uma vida sem graça, um niilismo eterno, uma vontade de preencher o vazio com a merda que melhor o servir. Opinião alheia? Sim. Atitudes oportunistas? Sim. Inventar algo que não é? Sim. Criar um personagem caracterizado por seu enfado? Claro. Acreditar na ilusão de que se é tão diferente dos demais? Também. São todos iguais; cada um com a mesma mísera dose de graça. O veneno escorre do canto dos lábios, a risada falsa ecoa na cabeça de todos que compram a mentira e a irritação e desprezo é tão grande que o infortúnio cativa.
Eu não sou diferente. Mas pelo menos sei disso.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

um drama

"You'll "never know half of it"
Tão amável. Boa palavra - é a sua cara. Amável no sentido inventado - como numa possibilidade de amá-la; em uma escala de suas pequenas manias até seus dramas. É o jeito que ela fala; seus detalhes; os detalhes que ela percebe. A "guria" é quase uma pequena fruta; como uma amora. Ela é tão ela e só. Há de compará-la com o preto: existem vários tons de amarelo, azul, verde... Mas preto é preto e só.
Lola é Lola e só.
As paranoias, as mentiras, as músicas, as histórias. A memória de um cigarro sendo apagado na areia da praia enquanto pende uma troca de mensagens. Uma amizade morna e repleta de tradições; discussões teatrais; indiferenças compatíveis; um passado tão perto e tão longe.
Alguém tão ninguém porém tão vivo. Há algo de platônico, há raiva, há covardia. Tão odiável. Tão incorpóreo. Tão nada... o vazio que sua ausência provoca não faz sentido, mas existe. 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

cartola

"Colour my life with the chaos of trouble"
Chove nesse frio. Ontem ventou na praia, meus cabelos voaram e o sol aqueceu minha pele. Agora meus dedos gelam, mesmo dentro de casa. O barulho da água caindo me inspira. A noite é uma criança que cresce rápido... E eu danço no tempo cada vez que checo o horário. A música baixa domina meu quarto; é um aconchego só. Livros, filmes, páginas, cenários, personagens, diálogos. Isso gera uma agitação em mim. Acabo sempre por olhar para o céu e sentir um nó na garganta; uma vontade de explorar. Eu sou tão pequena, tão fadada a não conhecer cada canto de história. Os livros, os filmes, as músicas... tantas ilusões: não posso me dar ao luxo de largar tudo e embarcar em uma viagem aleatória. Bancar a andarilha. Eis uma vontade condenada! Mas ah, só de respirar um ar paralelo, uma loucura inventada... Isso já me dá energia suficiente para continuar a sonhar no meu interior. Meu perdido interior. Um vasto interior que explode tamanho desejo de se tornar concreto.
Mas não. É fantasia. A chuva continua caindo - e eu continuo uma formiga contraditória nesse mundo gigantesco, ofuscada por tanta beleza, por tanto caos.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

encaixe, peça, chave

- Quero que você sorria pra mim.
Pediu, beirando suplicar, encarando-a nos olhos. De braços, pernas e corpos entrelaçados, estavam os corpos nus, deitados, apertando-se no sofá estreito. Ela sorriu - e o sorriso causou uma explosão.
Explosão de amor.
Explosão de paixão.
Explosão de vontade.
Explosão de vida.
Explosão de lágrimas.
Explosão de medo de perder.
Explosão de completude.
Foi assim. Eram dois corpos nus, deitados, apertando-se no sofá estreito; mas também eram duas peças, perfeitamente encaixadas, em harmonia e excelentemente posicionadas.